Primeira coisa a ser dita é que não existe essa equivocada ideia do
'simples comentário na internet'. Não existe absolutamente nada na
internet que seja tão simples assim. Seria como dizer 'um simples comentário
em praça pública'. Experimente bem cedo, logo pela manhã, sair na porta da
sua casa, estufar bastante o peito e gritar em alto e bom som a primeira coisa
estúpida que vier a sua mente. Não demorará muito para que todos os seus
vizinhos estejam à porta, te fitando com aquele olhar sinistro, do tipo que
indaga, de pronto, sobre a sua sanidade mental. Em suma, quando expomos nosso
pensamento numa web-page muito frequentada, essa
mensagem vai ecoar num parâmetro dimensional tão grande que não teremos o menor
controle no que concerne até onde essa informação irá reverberar. É um típico
tiro no escuro, não dá pra prever onde ou em quem vai pegar.
Feito essas colocações, passo à próxima questão. Tenho observado que
algumas pessoas tem comportamentos bem curiosos na internet, dignos de serem
estudados pela ciência comportamental e psíquica. No dia a dia, muitas vezes
mostram-se simpáticas, cordiais, e algumas até muito recatadas, tímidas, ou
enrustidas, todavia, quando o assunto é a rede mundial de computadores,
encarnam o verdadeiro monstro da selva, o 'diabo da tasmânia' em
pessoa. O abominável urso polar do lago negro da neve de Springfield domina
a sua alma, e o indivíduo se acaba todo de tanto desferir farpas nas redes
sociais desse mundão digital afora. Passado o efeito da droga, veste o seu
pijama, toma o seu copo de leite quente com rosquinhas rivotrílicas, e
dorme como um anjo – pelo menos até o dia seguinte.
Vez ou outra, todo aquele que se utiliza muito das redes sociais – como
é o meu caso e de muitos outros ‘jusbrasileiros’ – acaba passando por
esse tipo de situação. Nessas horas devem prevalecer a calma, a razão e
a serenidade. Discutir é uma hipótese totalmente descartada, diga-se de
passagem.
Como dito, não é raro nos depararmos com situações assim. Basta começar
uma reflexão sobre um tema polêmico, uma ‘crítica’, uma ‘crônica’, um bordado
literal que seja, e já é possível sentir os tambores tocarem do outro lado da
telinha. É o ritual macabro de preparação daqueles que, muitas vezes nem
entenderam a sua proposta textual, e já encorpam o ‘gato guerreiro’.
Pessoas assim não conseguem apenas ler, fazer suas ponderações críticas,
e após isso, deixarem o espaço público digital, respeitosamente. Isso não é
suficiente para elas, entrar em cena passa a ser uma espécie de compulsão.
Algumas pessoas, de fato, vão para a internet extravasar as suas mazelas, fazerem
aquilo que, sob o escudo do anonimato, tem a ousadia peculiar que lhes
faltam na vida prática diária.
Assim, sempre é bom estar preparado e com o estado de espírito
equilibrado, e acima de tudo, encoberto pela graça divina. Antes de tudo, é
preciso ter segurança e convicção sobre as suas ideias, confiar naquilo que
escreve, e estar pronto para receber as críticas, digeri-las, absorver o que é
proveitoso, e descartar o que é inútil. Nada é uníssono, aliás, é bom que a
discussão ocorra, pois isso traz crescimento, se feita da maneira saudável e
inteligente. Ademais, assim como em tudo na vida, na hora de discutir, criticar
ou expor ponderações, deve haver respeito, razoabilidade e flexibilidade para
se abrir aos argumentos opostos, ainda que não os endosse ao final.
A internet nos ensina que, mesmo nesse meio há regras a serem observadas
e seguidas para o bom e harmonioso convívio. Assim como não há ‘autotutela’ no
mundo prático, no mundo virtual também não o é permitido.
O nosso dicionário virtual, nos traz um conceito interessante, conhecido
como ‘netiqueta’ – derivado “do inglês "network" e
"etiquette" – é uma etiqueta que se recomenda observar na internet. A
palavra pode ser considerada como uma gíria, decorrente da fusão de duas
palavras: o termo inglês net (que significa "rede") e o termo
"etiqueta" (conjunto de normas de conduta sociais). Trata-se de um
conjunto de recomendações para evitar mal-entendidos em comunicações via
internet, especialmente em e-mails, chats, listas de discussão, etc”.
Certamente que entre essas regras comportamentais do mundo virtual, as
mais importantes, ao nosso ver, decorrem diretamente de:
1.
Respeitar para ser
respeitado e tratar os outros como gostaria de ser tratado.
2.
Entender que o autor do
texto não é o seu inimigo, ele não está ali como um
radical xiita, e ainda que fosse, deveria tratá-lo respeitosamente. Punir, só
cabe ao judiciário.
3.
Lembrar-se de que dialogar
com alguém através do computador não o isenta das regras comuns da sociedade, por exemplo, o respeito ao próximo.
4.
Usar sempre a força das
idéias e dos argumentos. Nunca responder com
palavrões ou ofensas, como por exemplo, tentar atacar a imagem ou fazer
suposições sobre o caráter da pessoa, simplesmente estereotipando-a pelo tipo
de linha intelectual que defende.
5.
Apesar de compartilhar apenas
virtualmente um ambiente, ninguém é obrigado a suportar ofensas e
má-educação.
6.
Evitar ser arrogante ou
inconveniente.
7.
Em fóruns e listas de discussão, deixar
o papel de moderador para o próprio moderador.
Outro dia desses, passei por uma situação um tanto cômica – se
não fosse trágico, por assim dizer –. Após postar um artigo na
internet, cujo assunto tenho um certo domínio pois atinente a minha área de
trabalho, fui surpreendido com mensagem de uma internauta, que revoltada com o
meu ponto de vista, me imputava críticas como se eu fosse quase que um grande
vilão do direito ou uma espécie de terrorista jurídico, apenas como dito, por
defender uma visão jurídica que ela, opostamente, não compartilhava. E olha que
nem se tratava de nenhum tema polêmico de cunho político ou religioso. De modo
algum, mencionaria quaisquer outros dados aqui, inclusive para preservar a sua
imagem. Todavia, como sempre aconselho aos meus clientes e amigos, fiz os print’s das
mensagens e guardei, acaso porventura, me arrependa de não processá-la.
Como advogado, também atuante nessa área indenizatória, o que sempre
aconselho às pessoas é que, quando fizerem uma crítica num local público, sejam
o mais respeitosas possível aos titulares da mensagem atacada - pois, a página
de um profissional é também o seu recinto laboral, o seu terreno sagrado, mais
ainda, é a‘extensão digitalizada e virtual do seu escritório físico', por
conseguinte, é o um viés extensivo da sua própria vida pessoal e laboral, protegida
constitucionalmente como direito e garantia fundamental, haja vista que, ali
clientes e admiradores do seu trabalho mantêm trânsito constante e livre –
desse modo, o fato de ingressar no 'local profissional ou pessoal' de uma
indivíduo (cuja Constituição trata como 'extensão da sua própria
casa') para lhe desferir farpas 'estereotipadas' a respeito da sua
índole, do seu caráter, ou qualquer outro tipo de apontamento desrespeitoso que
traga ‘sofrimento íntimo à sua honra’, pode trazer consequências jurídicas
graves, tanto na esfera criminal com o na esfera civil, com
efeitos financeiros em favor da vítima.
Caramigo (2014) explica que:
(...) qualquer imputação (opinião) pessoal (insultos [...])
de uma pessoa em relação à outra, caracteriza o crime de Injúria. “(...)
Injuriar alguém, significa imputar a este uma condição de inferioridade
perante a si mesmo, pois ataca de forma direta seus próprios atributos
pessoais. Importante ressaltar que, neste crime, a honra objetiva
também pode ser afetada. No crime de Injúria não há a necessidade que terceiros
tomem ciência da imputação ofensiva bastando, somente, que o sujeito
passivo a tenha, independentemente de sentir-se ou não atingido em sua
honra subjetiva. Se o ato estiver revestido de idoneidade ofensiva, o
crime estará consumado”.
Sabemos que, em relação à competência territorial para julgar essas
lides, o tema ainda é um tanto tormentoso, ademais haja posições em ambos os
sentidos, a mais aceita na jurisprudência tem sido a esposada no acórdão
oriundo do TJ-PR no qual restou assentado que: “(...) nos crimes
cometidos via internet a jurisprudência já se manifestou no sentido de que o
local consumativo é onde são recebidas as mensagens eletrônicas.”[1]
Para efeitos práticos no que concerne aos aspectos da competência
territorial, deixamos aqui, um breve apanhado feito pelo professor Luiz
Antônio Borri, que pode em muito ajudar os interessados.
“a) Crime contra a honra
julgado pelo juizado especial criminal tem a competência regulada pelo
local onde o querelado praticou a ação delituosa;
b) Crime contra a honra
julgado pela justiça comum:
·
Crime de injúria – a competência será do juízo onde a vítima tomou ciência das
mensagens publicadas nas redes sociais;
·
Crimes de calúnia e
difamação – o foro competente será aquele
onde terceiros obtiveram ciência dos termos ofensivos;
·
Em qualquer caso, não sendo
possível apurar os locais mencionados anteriormente, abrem-se duas
possibilidades:
·
O foro competente será o
lugar do domicílio ou residência do réu; ou,
·
Sendo desconhecido, a
competência será regulada pela prevenção”.
Retomando a questão central, é cediço reforçar que, ofensas
discriminatórias e estereotipadas que vilipendiem o íntimo do indivíduo ou
mesmo que gerem depreciação da sua imagem no seu ambiente social e de trabalho,
são atos injuriosos passíveis de condenação pecuniária ressarcitória, quiçá
efeitos penais.
Uma imagem profissional custa anos de dedicação e investimento para ser
construída, todavia, carece apenas de uma cinza lançada ao vento para virar um
braseiral em chamas.
Por concluir, que fique muito claro isso – a internet é um
ambiente como qualquer outro, como uma via pública, por exemplo, onde todos têm
o direito de ir e vir livremente, freqüentar espaços abertos ao público, entrar
e sair sem pedir permissão, inclusive podendo tecer comentários ou críticas sobre
aquilo que lhes sobressalta aos olhos, entretanto, nunca abandonando o respeito
e a polidez, pois, nem nas ruas tão quanto nas redes sociais, lhe é
permitido 'usar de presunções ou subsunções infundadas no que concerne ao
profissionalismo ou o caráter das pessoas, principalmente, quando este se
encontra em circunstância de exposição pública, onde tais 'injuriações', podem
ter um peso e repercussão ainda maior, vez que macula sua imagem frente aos
seus clientes e seguidores.
Enfim, escrever é como dirigir, sem um bom e lúcido condutor, é
possível ferir ou até tirar vidas.
REFERÊNCIAS.
_______________Netiqueta. Regras de Etiqueta na Internet. Acesso
em 05 de janeiro de 2016. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Netiqueta. 2016.
BORRI, Luiz Antonio. Competência nos crimes contra a honra
cometidos pela internet. Acesso em 06 de janeiro de 2016. Disposnível
em:http://www.conjur.com.br/2012-out-09/luiz-borri-competencia-crimes-honra-cometidos-internet.
Consultor Jurídico. 09 de Outubro de 2012.
CARAMIGO, Denis. Calúnia, difamação e injúria: Estudo acerca dos
crimes contra a honra, destacando as principais diferenças entre calúnia,
difamação e injúria. Acesso em 06 de Janeiro de 2016. Disponível em:http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8387/Calunia-difamacaoeinjuria.
Direitonet, 08 de Março de 2014.
[1] TJPR - 2ª C. Criminal - AC 600960-3 - Maringá - Rel.: José
Mauricio Pinto de Almeida - Unânime - J. 10.05.2010.
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