“Vou relatar o caso do mesmo jeito que o
escutei. O executivo chegou alterado no meu escritório: ‘Doutor, me casei com
uma mulher-tsunami.
Ela chegou para mim cheia de onda e, quando o casamento acabou, saiu levando carro, casa e apartamento. Agora que arranjei outra moça, quero evitar passar pelo mesmo dissabor’”, conta o advogado José Roberto Moreira Filho, diretor do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), sem revelar nomes nem poupar o tom machista da narrativa. Dançando conforme a música, o especialista recomendou ao cliente lavrar em cartório um pacto de convivência, estipulando regras de partilha para o segundo relacionamento em união estável, a ser assinado por ambas as partes.O documento estabelecia que, em caso de separação, apenas imóveis comprados em nome do casal seriam repartidos entre os dois e, ainda, que, nos dois anos seguintes, a ex-companheira receberia dois salários mínimos mensais como pensão alimentícia.
Ela chegou para mim cheia de onda e, quando o casamento acabou, saiu levando carro, casa e apartamento. Agora que arranjei outra moça, quero evitar passar pelo mesmo dissabor’”, conta o advogado José Roberto Moreira Filho, diretor do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), sem revelar nomes nem poupar o tom machista da narrativa. Dançando conforme a música, o especialista recomendou ao cliente lavrar em cartório um pacto de convivência, estipulando regras de partilha para o segundo relacionamento em união estável, a ser assinado por ambas as partes.O documento estabelecia que, em caso de separação, apenas imóveis comprados em nome do casal seriam repartidos entre os dois e, ainda, que, nos dois anos seguintes, a ex-companheira receberia dois salários mínimos mensais como pensão alimentícia.
Se prevalecer a nova decisão do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), que divulgou na última terça-feira que a partilha do
patrimônio de casal que vive em união estável deixa de ser automática, mudaria
tudo. O tal executivo poderia até dispensar tantos cuidados ao ‘juntar os
trapos’, como se diz no popular. A partir do acórdão, que está para ser
publicado, cada convivente tem de provar que contribuiu “com dinheiro ou
esforço” para ter direito à divisão dos bens. Procurada pela reportagem do
Estado de Minas, a assessoria do STJ confirmou a existência desse acórdão, mas
evitou antecipar o conteúdo, “por se tratar de segredo de Justiça”. Só as
partes envolvidas têm acesso aos termos da decisão, por enquanto. Outras
mudanças podem ser esperadas a partir da inclusão do Estatuto da Família, que
entrou em pauta no Congresso Nacional na última semana.
“Se for isso mesmo, a decisão vai afetar
pessoas que vivem em união estável e não fizeram contrato por escrito. Em caso
de separação, cada uma das partes terá de provar que ajudou a pagar pelo bem
adquirido depois da convivência em comum”, compara o advogado, esclarecendo que
a compra de imóveis poderá ser feita em nome dos dois compradores, deixando
clara a intenção de dividir o apartamento. Caso contrário, se não houver
contrato pré-nupcial e prevalecer o novo entendimento do STJ, a posse da casa
ou do apartamento poderá ficar apenas com quem assinou pelo imóvel na data da
compra, a não ser que o (a) companheiro (a) consiga comprovar que fez o papel
de suporte da relação, cuidando dos filhos enquanto o outro trabalhava fora,
por exemplo.
RETROCESSO É dessa maneira que o advogado de família Rachid
Silva interpreta a nova decisão do STJ, passados 25 anos da Lei 9.489, que mandou estender o regime da
comunhão parcial de bens às chamadas uniões estáveis, que, de certa forma, se
tornaram equiparadas ao casamento. “Na minha opinião, é como se o STJ estivesse
criando uma família de segunda categoria, o que deve ser rechaçado pelos
juristas. Essa decisão vai reacender uma fogueira que já havia sido apagada, ao
pacificar o entendimento de que prevaleceria o ‘esforço comum’ nos dois tipos
de relacionamento”, afirma Rachid. Ele desconfia que a nova decisão poderá ser
rejeitada pelos especialistas, que poderão alegar, inclusive, a inconstitucionalidade
do recurso, tomando por base o regime de comunhão parcial definido pelo Código Civil, em vigor desde 2003.
O maior risco, segundo Rachid, é voltar
atrás na antiga discussão sobre se, ao se juntar em uma união estável, já está
presumido que o casal fez um ‘esforço comum’ para constituir uma família ou se,
conforme ocorria antes, o empenho de cada um precisará ser comprovado. “É um
abalo para ser considerado o regime parcial de bens”, acredita o advogado,
lembrando que, como é hoje, a figura do casamento pressupõe o regime parcial de
bens, ou seja, serão divididos igualmente os bens adquiridos depois da data da
cerimônia no cartório. Da mesma forma, a união estável imita o casamento,
prevendo regime parcial de bens, desde que não seja lavrado um contrato
pré-nupcial entre as partes.
Uma mão na frente e outra atrás
Autor do Código Civil Anotado, livro que está na décima
edição, discutindo os mais diversos tipos de relacionamentoaos olhos do direito
de família, o advogado Rodrigo da Cunha é voz dissonante da maioria dos ditos
familiaristas. O presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFam) defende que deve haver, sim, distinção clara entre o casamento e a
união estável, para além da nomenclatura de cônjuge e companheiro,
respectivamente. “Tem gente que acha que deve ser igual e que a união estável
foi evoluindo a ponto de se equiparar ao casamento. Para mim, nem um nem outro
é melhor ou pior, mas deveriam continuar sendo diferentes”, afirma o advogado,
que vê com reservas o limite da interferência do Estado na relação a dois.
Cunha é um dos defensores da tese de que
deve haver distinção entre o casamento e a união estável, até para permitir
liberdade e autonomia aos pares. “É um paradoxo o Estado ter o poder de casar
as pessoas que estão morando juntas”, questiona. Ele acredita que a nova
decisão do STJ não terá muitos adeptos entre os casais, mas vai permitir
retomar a discussão sobre os papéis de cada tipo de relacionamento. “A decisão
vai abrir precedente para que as pessoas possam repensar as diferenças. O
direito de família está sempre mudando”, diz.
Para o diretor do IBDFam, José Roberto
Moreira Filho, casais que decidem morar juntos deveriam reduzir as
interrogações, fazendo uma consulta prévia para estabelecer os termos concretos
do relacionamento, da pensão alimentícia e, principalmente, da sucessão. “Como
está hoje a lei, os direitos do casamento são quase os mesmos da união estável.
A maior diferença ocorre quando um dos parceiros morre. A união estável é a
menos recomendada. Nela, a companheira do homem rico, que nada adquiriu durante
a união, sairá com uma mão na frente e outra atrás.”
“Sob a ótica do direito sucessório”,
continua o advogado, “se o homem morrer sem deixar filhos, apenas uma terça
parte dos bens da união estável ficará com a mulher. Já no casamento, quando um
dos parceiros morre, a viúva herdará toda a herança, caso não haja
descendentes. Nas minhas aulas, costumo dizer que a união estável é recomendada
para quem escolhe se casar com o parceiro que nada tem, mas é estudioso e
trabalhador. Se ele morrer, os bens adquiridos durante o relacionamento serão
preservados”.
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